Chovia muito. O céu era cortado por relâmpagos constantemente, iluminando as casas e conferindo um ar fantasmagórico às ruas desertas em que eu entrava. Não enxergava muito bem através da cortina de água à minha frente. Fiz o possível para tentar me manter seca, mas o vento empurrava as gotas para todos os lados e meu guarda-chuva já tinha quebrado. Coloquei meu sobretudo bege por cima da cabeça, mas não foi muito útil. Quando a chuva começou a ficar mais forte, procurei uma marquise e corri para me proteger. Era uma rua de tower houses dos dois lados. Todas iguais e brancas. Os telhados altos mantinham uma parte estreita da calçada seca. Foi para lá que corri. Meu cabelo grudado no rosto atrapalhava minha visão ainda mais e, enquanto corria, tentei afastá-lo dos meus olhos. Foi quando esbarrei em algo.
- Ai!
Quando consegui abrir os olhos e tirar o sobretudo da cabeça, pude ver que era um garoto. Praticamente da minha altura, só alguns centímetros mais alto. O cabelo dele também molhado e espalhado no rosto. Os olhos semicerrados, a roupa completamente encharcada. Foi assim que o conheci: o acaso brincando mais uma vez com nossas vidas.
- Desculpa, desculpa, eu não te vi. - tratei de me desculpar.
- Não tem problema. - respondeu ele, educadamente.
- Que chuva, hein! - comentei distraída. Passei a mão no cabelo molhado e procurei no bolso o papel do endereço que procurava.
- Típico de Londres pregar essas peças no meio da noite. - disse ele, me observando - Precisa de alguma ajuda?
- Não, não, estou bem. Eu acho... - respondi, ainda procurando o papel - Só preciso achar um endereço. Meu Deus, eu tenho certeza que o botei no bolso.
Não demorou para que eu achasse o papel: úmido, amassado e manchado.
- Droga! Está ilegível. Nunca vou chegar desse jeito.
- Desculpa me intrometer, mas para onde você pretendia ir?
- Para a... espera, eu nem te conheço. Não posso sair por aí falando para onde vou para o primeiro cara que encontro no meio da chuva.
Ele riu. Achou graça de como eu falava e da minha hiperatividade numa noite fria e mal-humorada.
- Tudo bem, não precisa me falar.
Meu celular tocou alto. Tinha me esquecido dele e me sobressaltei ao perceber que ele ainda funcionava.
- Alô. Oi. Não, desculpa, mas acho que eu nem vou conseguir chegar aí. Não pode passar o teste para amanhã? Ou para semana que vem, não sei.
Ouvi a resposta com atenção.
- Por favor, eu quero muito fazer o teste. Eu sei, eu sei, mas eu prometo que não importa o quanto esteja chovendo da próxima vez, eu dou um jeito.
Sorri aliviada ao ouvir o consentimento do outro lado da linha.
- Tudo bem. Mesmo endereço e mesma hora, certo? Ok, estarei aí. Muito obrigada.
Desliguei o telefone e por alguns segundos esqueci da companhia do garoto, até ele tossir. Talvez para chamar minha atenção. Talvez não.
- Qual é seu nome mesmo? - perguntei.
- Acho que eu não deveria sair por aí falando o meu nome para a primeira menina que encontro no meio da chuva. - respondeu ele, divertido. Na verdade, ele realmente parecia se divertir com a situação.
Eu ri e foi a primeira vez que olhei longamente para ele. O cabelo caído na testa, as gotinhas escorrendo por um rosto ao mesmo tempo delicado e rígido, a feição séria e amigável, as mãos no bolso da calça. A cena congelou meu olhar. Ele era lindo. Alguma coisa me dizia que eu podia confiar nele. Uma dessas muitas coisas que não podemos explicar.
Então, estendi minha mão e disse:
- Eu sou a Selena, prazer.
- Nicholas. - disse ele, apertando minha mão.
- Então, Nicholas...
- Pode me chamar de Nick.
- Nick. Vai passar a noite aqui?
- Pelo que eu estou vendo, é provável.
- Hum... Então está bem! Tchau.
Já tinha colocado meu sobretudo por cima da cabeça, mas quando fiz menção de sair, ele me segurou.
- Espera, onde você vai?
- Tem um pub na esquina de uma rua aqui atrás. - apontei para o outro lado das casas - É melhor do que ficar embaixo de uma marquise.
- Posso ir com você? É que eu não conheço Londres muito bem. Só o caminho para o hotel.
- De onde você é?
- Sou americano.
- Sabia! Seu sotaque não nega. Já fui aos Estados Unidos algumas vezes. Principalmente à Broadway. É um dos meus lugares favoritos para se apresentar.
- Atriz?
- Sim.
- Legal! Você é daqui mesmo?
- Sou. Nascida e criada em Londres. Não podia ter pedido um lugar melhor, com todo o respeito ao seu país.
- Tudo bem. - ele sorriu e eu não pude deixar de sorrir com ele.
- Vamos então? - eu já ia andando na frente - Aproveita que o vento parou.
A chuva continuou a cair forte e os trovões pareciam sacudir as ruas. Andamos pouco até chegar em um pub aconchegante chamado Silver Cross.
Entramos e pendurei meu sobretudo no cabide ao lado da porta. Nick fez o mesmo com seu casaco e me acompanhou. Estava quente e pouco movimentado ali. Sentei no balcão e Nick se ajeitou na cadeira ao lado.
- Selena! Não esperava por você aqui hoje. - disse Harry, o barman já conhecido meu das muitas vezes que eu ia ali com a companhia de teatro.
- Nem eu Harry, nem eu! Mas essa chuva causa muitos imprevistos. O que você tem para esquentar aí?
- Eu posso te esquentar rapidinho se quiser...
Fiz cara de quem não gostou da brincadeira, mas logo ri.
- Bobão.
- Ah, valeu a tentativa. - ele piscou e eu sorri sem graça - Ok, a outra opção é o drink novo com vinho e refrigerante que eu inventei. Quer provar?
- Só se for agora! Vai beber o que? - me virei para Nick.
- Hã... o mesmo que você...
- O mesmo para o nosso amigo americano aqui. - pedi a Harry, que assentiu com a cabeça do fundo do balcão, onde preparava os copos.
De repente, tive vontade de rir ao olhar para Nick e não pude controlar.
- O que foi? - perguntou ele, sem entender.
- Você está muito perdido aqui, não é?
Ele riu.
- Não é legal rir de um turista perdido, Selena. Ainda mais quando ele perdeu o telefone.
- Ai, que droga! Desculpa. Amanhã alguém com certeza já achou aí é só você ligar para ele. Mas me conta, você não disse o que você faz.
- Sou cantor.
- Nossa, que maneiro! Também gosto de cantar, mas só nos musicais.
- A minha vida é um musical. Eu tenho uma banda com meus irmãos e nossa, eu não sabia que dava tanto trabalho se firmar no ramo.
- É eu sei como é isso... Qual é o nome da banda?
- Jonas Brothers.
- Bom, então imagino que seu sobrenome seja Jonas.
- É sim.
- Dois Harry's Hot (Tradução: Harry é gato) saindo. - anunciou o barman, colocando as bebidas cor de púrpura na frente deles.
- Harry's Hot? Não tinha um nome pior não Harry?
Eu e Nick rimos.
- Pelo menos assim você vai ter que falar que eu sou gato sempre que pedir. Eu penso em tudo. - apontando para os cabelos ruivos.
- Claro! - bebi um gole - Meu Deus, Harry! Você pode não ter talento com os nomes mas isso aqui está demais! - e bebi até sentir minha garganta arder.
- Está ótimo, cara! - concordou Nick.
- Muito obrigado, eu...
- Harry! - alguém chamou lá de trás.
- Ih, é o chefe. Preciso ir, daqui a pouco eu volto para atrapalhar o namoro de vocês. - e olhou sério para Nick, que não soube como reagir e simplesmente sorriu sem jeito.
- Harry, o karaokê está funcionando? - gritei, antes que ele sumisse pela porta dos fundos.
- Está sim! - respondeu e saiu.
- Pelo jeito, ele gosta de você. - comentou Nick.
- Nada! É só brincadeira. - disse, mesmo não estando completamente segura disso.
Bebemos os drinks e pedimos outro depois que o Harry voltou. Conversamos e rimos até a meia-noite, quando o lugar começou a encher de pessoas animadas e algumas animadas até demais.
- Sabe o que está faltando aqui? - perguntei animada. Não sabia se era efeito da bebida ou por estar me divertindo com Nick a noite inteira.
- Música!
- Como você sabia?
Ele encolheu os ombros e respondeu.
- Só chutei.
- Então vem - disse, puxando-o até o karaokê velho no pequeno palco onde costumava haver apresentações ao vivo.
- O que? Não, eu não vou cantar, Sel.
- Ah, vai sim!
- Mas eu... não, canta você.
- Como assim? Um cantor com vergonha de cantar? Galera! - gritei no microfone já ligado e em segundos fez-se um silêncio total - Quem está a fim de um showzinho para esquentar essa madrugada?
As pessoas sóbrias responderam não tão eloquentemente quanto os bêbados, que gritaram a plenos pulmões que concordavam com a idéia.
- Está vendo? A platéia já te ama. - dei um tapinha no ombro dele, coloquei o microfone na sua mão e já me preparava para pular do palco quando ele me puxou com tanta força que eu colidi com seu peito, desajeitada.
- Ai, desculpa, Sel - disse ele, passando a mão pela minha testa com delicadeza. Naquele momento, fiquei com uma vontade inexplicável de abraçá-lo, mas controlei meu impulso.
- Tudo bem. Agora canta.
- Mas o que?
- O que você quiser.
- Ah, se eu vou cantar, você também vai. - disse ele, entregando-me o outro microfone. Pensei por algum tempo e concluí que poderia ser divertido então, programei o karaokê no volume máximo e comecei a cantar com o ritmo que tremeu as paredes e fez com que as pessoas se aproximassem, levantando seus copos, balançandos suas cabeças, pulando, dançando e cantando junto em uma gritaria histérica banhada por sotaque britânico
From underneath the trees, we watch the sky
(Debaixo das árvores, nós vemos o céu)
Confusing stars for satellites
(Confundindo estrelas com satélites)
I never dreamed that you'd be mine
(Eu nunca sonhei que você seria minha)
But here we are, we're here tonight
(Mas aqui estamos nós, nós estamos aqui hoje à noite)
Singing, amen, I ... I'm alive
(Cantando, amén, Eu... Eu estou vivo) [2x]
Olhei para Nick e ele já parecia mais confortável. Cantamos o resto da música juntos, fazendo expressões e tons de voz exagerados. Todos cantavam juntos e, de repente, aquele pub se tornou o mais animado de Londres.
[Chorus:]
If everyone cared and nobody cried
(Se todos se importassem e ninguém chorasse)
If everyone loved and nobody lied
(Se todos amassem e ninguém mentisse)
If everyone shared and swallowed their pride
(Se todos dividissem e engolissem seu orgulho)
We'd see the day when nobody died
(Nós veríamos o dia em que ninguém morreria)
I'm singin' a..
(Estou cantando a...)
Amen, I ... Amen, I ... I'm alive
(Amém, eu...Amém, eu...Eu estou vivo) [2x]
And in the air the fire flies
(E no ar os vagalumes)
Our only light in paradise
(Nossa única luz no paraíso)
We'll show the world they were wrong
(Vamos mostrar ao mundo que eles estavam errados)
And teach them all to sing along
(E ensinar todos eles a cantar junto)
Singing amen, I ... I'm alive
(Cantando amém, eu... Eu estou vivo) [2x]
[Chorus x2]
And as we lie beneath the stars
(E enquanto estamos deitados embaixo das estrelas)
We realize how small we are
(Nós percebemos o quão pequenos somos)
If they could love like you and me
(Se eles pudessem amar como você e eu)
Imagine what the world could be
(Imagine o que o mundo poderia ser)
[Chorus x2]
We'd see the day, we'll see the day
(Nós veríamos o dia, nós veremos o dia)
When nobody die
(Quando ninguém morreria) [3x]
Para minha surpresa, assim que a última nota da música soou e eu e Nick já estávamos tão suados quanto se estívessemos acabado de sair da chuva lá fora, ele me agarrou pela cintura e me beijou intensamente. Seus lábios tinham gosto de vinho e, em segundos, era como se tivessem acendido uma fogueira bem embaixo dos meus pés. Eu não queria me desvencilhar. Deixei que seus lábios se embolassem nos meus enquanto os clientes do pub gritavam. Apertei o cabelo dele e me inclinei para trás, por cima de seu braço que envolvia minha cintura, devido a voracidade com que me beijava. O suor molhara nossos cabelos. Segurei o rosto dele com as mãos e senti o suor escorrer, mas nada poderia me fazer querer parar aquele momento.
Nos beijamos até ter nos afastado o suficiente para que Nick enrolasse o pé na cortina atrás do palco e caísse de costas.
- Ai, meu Deus! Nick, você está bem? - perguntei, rindo, junto com todas as pessoas que observavam a cena.
Ele ria descontroladamente, me fazendo rir ainda mais.
- Estou, estou... acho que sim. - gargalhamos enquanto ele se levantava, meio tonto - Você é maluca.
- Não precisa me dizer - disse, e coloquei meus braços sobre os ombros dele, puxando-o até mim e beijando-o longa e delicadamente.
Então, desvencilhei-me do beijo e puxei-o pela mão até o balcão onde estávamos sentados há pouco. No meio do caminho, uma menina alta de cabelos muito pretos me parou.
- Você não é a Selena?A que fez a protagonista do remake do "Fantasma da Ópera"?
- Sou eu mesma.
- Nossa, você mandou muito bem! Fiquei arrepiada com a sua interpretação.
- Que fofa! Obrigada.
- Pode me dar um autógrafo?
Assinei um guardanapo meio amassado e continuei arrastando Nick até o balcão. Quando já sentados, conversamos mais um pouco.
- O "Fantasma da Ópera", hein!Isso é... grande!
- Eu sei. Suei para conseguir esse papel e... O que foi? - perguntei, ao perceber que Nick me encarava sério, sem piscar.
- É que eu acabei de perceber o quanto você é linda! Meu Deus,você é realmente linda!
- Acho que alguém está meio bêbado...
- Não, não estou. É sério. Seus olhos... não consigo parar de olhar para eles e o jeito como você fala comigo, com todo mundo. Não liga quando as pessoas te reconhecem e aceitou que um americano sem graça como eu te acompanhasse até um lugar onde você cantou com ele. Você é maluca! E eu... eu realmente gostei disso. Gostei de tudo em você.
Eu não soube o que fazer. Fiquei meio tímida e simplesmente beijei Nick mais uma vez, como se nunca quisesse esquecer o doce dos lábios dele. Foi quando olhei por uma pequena janela ao lado da porta de entrada: um raio de luz vacilante adentrou o lugar e pude notar estava amanhecendo. A chuva tinha cessado e eu tinha um teste naquele dia.
- Nick, tenho que ir. Já está amanhecendo.
- O que? - Ele se virou rápido para a porta, notando o raio de sol - Mas por quê? Eu queria...
- Desculpa, mas eu realmente preciso ir. - passei a mão pelo rosto dele mais uma vez - Me acompanha?
- Claro. - ele respondeu,com um sorriso não muito satisfeito.
Tiramos nossos agasalhos do cabide e deixamos todos para trás. O sol deliciosamente quente bateu em nossa pele, como que lutando com o vento gelado que passava correndo. O dia nascia no final da rua e nós nos limitamos a admirá-lo por alguns segundos.
- Acha que vamos nos ver de novo? - ele perguntou,sem tirar os olhos do sol.
- Quem sabe? - respondi - Quando você estiver com seu rosto estampado em capas de CD.
- E você com o seu estampado nos cartazes das maiores produções da Broadway.
- É, quem sabe...
Ele me beijou, eu o beijei e assim, sem falar palavra, nos separamos. Eu segui para onde o sol nascia; ele, para onde a lua se punha.
- Ah, Londres, como eu te amo! - eu pensava no caminho, com um sorriso nos lábios.
Olhei para trás e vi Nick andar devagar, com as mão no bolso. Mas o que eu não vi é que ele também sorria, por ter acabado de perceber que ele ficara com meu celular.
- É, acho que teremos que nos encontrar de novo. - pensava ele.
Pelo menos, foi o que ele me disse na manhã seguinte.
- Ai!
Quando consegui abrir os olhos e tirar o sobretudo da cabeça, pude ver que era um garoto. Praticamente da minha altura, só alguns centímetros mais alto. O cabelo dele também molhado e espalhado no rosto. Os olhos semicerrados, a roupa completamente encharcada. Foi assim que o conheci: o acaso brincando mais uma vez com nossas vidas.
- Desculpa, desculpa, eu não te vi. - tratei de me desculpar.
- Não tem problema. - respondeu ele, educadamente.
- Que chuva, hein! - comentei distraída. Passei a mão no cabelo molhado e procurei no bolso o papel do endereço que procurava.
- Típico de Londres pregar essas peças no meio da noite. - disse ele, me observando - Precisa de alguma ajuda?
- Não, não, estou bem. Eu acho... - respondi, ainda procurando o papel - Só preciso achar um endereço. Meu Deus, eu tenho certeza que o botei no bolso.
Não demorou para que eu achasse o papel: úmido, amassado e manchado.
- Droga! Está ilegível. Nunca vou chegar desse jeito.
- Desculpa me intrometer, mas para onde você pretendia ir?
- Para a... espera, eu nem te conheço. Não posso sair por aí falando para onde vou para o primeiro cara que encontro no meio da chuva.
Ele riu. Achou graça de como eu falava e da minha hiperatividade numa noite fria e mal-humorada.
- Tudo bem, não precisa me falar.
Meu celular tocou alto. Tinha me esquecido dele e me sobressaltei ao perceber que ele ainda funcionava.
- Alô. Oi. Não, desculpa, mas acho que eu nem vou conseguir chegar aí. Não pode passar o teste para amanhã? Ou para semana que vem, não sei.
Ouvi a resposta com atenção.
- Por favor, eu quero muito fazer o teste. Eu sei, eu sei, mas eu prometo que não importa o quanto esteja chovendo da próxima vez, eu dou um jeito.
Sorri aliviada ao ouvir o consentimento do outro lado da linha.
- Tudo bem. Mesmo endereço e mesma hora, certo? Ok, estarei aí. Muito obrigada.
Desliguei o telefone e por alguns segundos esqueci da companhia do garoto, até ele tossir. Talvez para chamar minha atenção. Talvez não.
- Qual é seu nome mesmo? - perguntei.
- Acho que eu não deveria sair por aí falando o meu nome para a primeira menina que encontro no meio da chuva. - respondeu ele, divertido. Na verdade, ele realmente parecia se divertir com a situação.
Eu ri e foi a primeira vez que olhei longamente para ele. O cabelo caído na testa, as gotinhas escorrendo por um rosto ao mesmo tempo delicado e rígido, a feição séria e amigável, as mãos no bolso da calça. A cena congelou meu olhar. Ele era lindo. Alguma coisa me dizia que eu podia confiar nele. Uma dessas muitas coisas que não podemos explicar.
Então, estendi minha mão e disse:
- Eu sou a Selena, prazer.
- Nicholas. - disse ele, apertando minha mão.
- Então, Nicholas...
- Pode me chamar de Nick.
- Nick. Vai passar a noite aqui?
- Pelo que eu estou vendo, é provável.
- Hum... Então está bem! Tchau.
Já tinha colocado meu sobretudo por cima da cabeça, mas quando fiz menção de sair, ele me segurou.
- Espera, onde você vai?
- Tem um pub na esquina de uma rua aqui atrás. - apontei para o outro lado das casas - É melhor do que ficar embaixo de uma marquise.
- Posso ir com você? É que eu não conheço Londres muito bem. Só o caminho para o hotel.
- De onde você é?
- Sou americano.
- Sabia! Seu sotaque não nega. Já fui aos Estados Unidos algumas vezes. Principalmente à Broadway. É um dos meus lugares favoritos para se apresentar.
- Atriz?
- Sim.
- Legal! Você é daqui mesmo?
- Sou. Nascida e criada em Londres. Não podia ter pedido um lugar melhor, com todo o respeito ao seu país.
- Tudo bem. - ele sorriu e eu não pude deixar de sorrir com ele.
- Vamos então? - eu já ia andando na frente - Aproveita que o vento parou.
A chuva continuou a cair forte e os trovões pareciam sacudir as ruas. Andamos pouco até chegar em um pub aconchegante chamado Silver Cross.
Entramos e pendurei meu sobretudo no cabide ao lado da porta. Nick fez o mesmo com seu casaco e me acompanhou. Estava quente e pouco movimentado ali. Sentei no balcão e Nick se ajeitou na cadeira ao lado.
- Selena! Não esperava por você aqui hoje. - disse Harry, o barman já conhecido meu das muitas vezes que eu ia ali com a companhia de teatro.
- Nem eu Harry, nem eu! Mas essa chuva causa muitos imprevistos. O que você tem para esquentar aí?
- Eu posso te esquentar rapidinho se quiser...
Fiz cara de quem não gostou da brincadeira, mas logo ri.
- Bobão.
- Ah, valeu a tentativa. - ele piscou e eu sorri sem graça - Ok, a outra opção é o drink novo com vinho e refrigerante que eu inventei. Quer provar?
- Só se for agora! Vai beber o que? - me virei para Nick.
- Hã... o mesmo que você...
- O mesmo para o nosso amigo americano aqui. - pedi a Harry, que assentiu com a cabeça do fundo do balcão, onde preparava os copos.
De repente, tive vontade de rir ao olhar para Nick e não pude controlar.
- O que foi? - perguntou ele, sem entender.
- Você está muito perdido aqui, não é?
Ele riu.
- Não é legal rir de um turista perdido, Selena. Ainda mais quando ele perdeu o telefone.
- Ai, que droga! Desculpa. Amanhã alguém com certeza já achou aí é só você ligar para ele. Mas me conta, você não disse o que você faz.
- Sou cantor.
- Nossa, que maneiro! Também gosto de cantar, mas só nos musicais.
- A minha vida é um musical. Eu tenho uma banda com meus irmãos e nossa, eu não sabia que dava tanto trabalho se firmar no ramo.
- É eu sei como é isso... Qual é o nome da banda?
- Jonas Brothers.
- Bom, então imagino que seu sobrenome seja Jonas.
- É sim.
- Dois Harry's Hot (Tradução: Harry é gato) saindo. - anunciou o barman, colocando as bebidas cor de púrpura na frente deles.
- Harry's Hot? Não tinha um nome pior não Harry?
Eu e Nick rimos.
- Pelo menos assim você vai ter que falar que eu sou gato sempre que pedir. Eu penso em tudo. - apontando para os cabelos ruivos.
- Claro! - bebi um gole - Meu Deus, Harry! Você pode não ter talento com os nomes mas isso aqui está demais! - e bebi até sentir minha garganta arder.
- Está ótimo, cara! - concordou Nick.
- Muito obrigado, eu...
- Harry! - alguém chamou lá de trás.
- Ih, é o chefe. Preciso ir, daqui a pouco eu volto para atrapalhar o namoro de vocês. - e olhou sério para Nick, que não soube como reagir e simplesmente sorriu sem jeito.
- Harry, o karaokê está funcionando? - gritei, antes que ele sumisse pela porta dos fundos.
- Está sim! - respondeu e saiu.
- Pelo jeito, ele gosta de você. - comentou Nick.
- Nada! É só brincadeira. - disse, mesmo não estando completamente segura disso.
Bebemos os drinks e pedimos outro depois que o Harry voltou. Conversamos e rimos até a meia-noite, quando o lugar começou a encher de pessoas animadas e algumas animadas até demais.
- Sabe o que está faltando aqui? - perguntei animada. Não sabia se era efeito da bebida ou por estar me divertindo com Nick a noite inteira.
- Música!
- Como você sabia?
Ele encolheu os ombros e respondeu.
- Só chutei.
- Então vem - disse, puxando-o até o karaokê velho no pequeno palco onde costumava haver apresentações ao vivo.
- O que? Não, eu não vou cantar, Sel.
- Ah, vai sim!
- Mas eu... não, canta você.
- Como assim? Um cantor com vergonha de cantar? Galera! - gritei no microfone já ligado e em segundos fez-se um silêncio total - Quem está a fim de um showzinho para esquentar essa madrugada?
As pessoas sóbrias responderam não tão eloquentemente quanto os bêbados, que gritaram a plenos pulmões que concordavam com a idéia.
- Está vendo? A platéia já te ama. - dei um tapinha no ombro dele, coloquei o microfone na sua mão e já me preparava para pular do palco quando ele me puxou com tanta força que eu colidi com seu peito, desajeitada.
- Ai, desculpa, Sel - disse ele, passando a mão pela minha testa com delicadeza. Naquele momento, fiquei com uma vontade inexplicável de abraçá-lo, mas controlei meu impulso.
- Tudo bem. Agora canta.
- Mas o que?
- O que você quiser.
- Ah, se eu vou cantar, você também vai. - disse ele, entregando-me o outro microfone. Pensei por algum tempo e concluí que poderia ser divertido então, programei o karaokê no volume máximo e comecei a cantar com o ritmo que tremeu as paredes e fez com que as pessoas se aproximassem, levantando seus copos, balançandos suas cabeças, pulando, dançando e cantando junto em uma gritaria histérica banhada por sotaque britânico
From underneath the trees, we watch the sky
(Debaixo das árvores, nós vemos o céu)
Confusing stars for satellites
(Confundindo estrelas com satélites)
I never dreamed that you'd be mine
(Eu nunca sonhei que você seria minha)
But here we are, we're here tonight
(Mas aqui estamos nós, nós estamos aqui hoje à noite)
Singing, amen, I ... I'm alive
(Cantando, amén, Eu... Eu estou vivo) [2x]
Olhei para Nick e ele já parecia mais confortável. Cantamos o resto da música juntos, fazendo expressões e tons de voz exagerados. Todos cantavam juntos e, de repente, aquele pub se tornou o mais animado de Londres.
[Chorus:]
If everyone cared and nobody cried
(Se todos se importassem e ninguém chorasse)
If everyone loved and nobody lied
(Se todos amassem e ninguém mentisse)
If everyone shared and swallowed their pride
(Se todos dividissem e engolissem seu orgulho)
We'd see the day when nobody died
(Nós veríamos o dia em que ninguém morreria)
I'm singin' a..
(Estou cantando a...)
Amen, I ... Amen, I ... I'm alive
(Amém, eu...Amém, eu...Eu estou vivo) [2x]
And in the air the fire flies
(E no ar os vagalumes)
Our only light in paradise
(Nossa única luz no paraíso)
We'll show the world they were wrong
(Vamos mostrar ao mundo que eles estavam errados)
And teach them all to sing along
(E ensinar todos eles a cantar junto)
Singing amen, I ... I'm alive
(Cantando amém, eu... Eu estou vivo) [2x]
[Chorus x2]
And as we lie beneath the stars
(E enquanto estamos deitados embaixo das estrelas)
We realize how small we are
(Nós percebemos o quão pequenos somos)
If they could love like you and me
(Se eles pudessem amar como você e eu)
Imagine what the world could be
(Imagine o que o mundo poderia ser)
[Chorus x2]
We'd see the day, we'll see the day
(Nós veríamos o dia, nós veremos o dia)
When nobody die
(Quando ninguém morreria) [3x]
Para minha surpresa, assim que a última nota da música soou e eu e Nick já estávamos tão suados quanto se estívessemos acabado de sair da chuva lá fora, ele me agarrou pela cintura e me beijou intensamente. Seus lábios tinham gosto de vinho e, em segundos, era como se tivessem acendido uma fogueira bem embaixo dos meus pés. Eu não queria me desvencilhar. Deixei que seus lábios se embolassem nos meus enquanto os clientes do pub gritavam. Apertei o cabelo dele e me inclinei para trás, por cima de seu braço que envolvia minha cintura, devido a voracidade com que me beijava. O suor molhara nossos cabelos. Segurei o rosto dele com as mãos e senti o suor escorrer, mas nada poderia me fazer querer parar aquele momento.
Nos beijamos até ter nos afastado o suficiente para que Nick enrolasse o pé na cortina atrás do palco e caísse de costas.
- Ai, meu Deus! Nick, você está bem? - perguntei, rindo, junto com todas as pessoas que observavam a cena.
Ele ria descontroladamente, me fazendo rir ainda mais.
- Estou, estou... acho que sim. - gargalhamos enquanto ele se levantava, meio tonto - Você é maluca.
- Não precisa me dizer - disse, e coloquei meus braços sobre os ombros dele, puxando-o até mim e beijando-o longa e delicadamente.
Então, desvencilhei-me do beijo e puxei-o pela mão até o balcão onde estávamos sentados há pouco. No meio do caminho, uma menina alta de cabelos muito pretos me parou.
- Você não é a Selena?A que fez a protagonista do remake do "Fantasma da Ópera"?
- Sou eu mesma.
- Nossa, você mandou muito bem! Fiquei arrepiada com a sua interpretação.
- Que fofa! Obrigada.
- Pode me dar um autógrafo?
Assinei um guardanapo meio amassado e continuei arrastando Nick até o balcão. Quando já sentados, conversamos mais um pouco.
- O "Fantasma da Ópera", hein!Isso é... grande!
- Eu sei. Suei para conseguir esse papel e... O que foi? - perguntei, ao perceber que Nick me encarava sério, sem piscar.
- É que eu acabei de perceber o quanto você é linda! Meu Deus,você é realmente linda!
- Acho que alguém está meio bêbado...
- Não, não estou. É sério. Seus olhos... não consigo parar de olhar para eles e o jeito como você fala comigo, com todo mundo. Não liga quando as pessoas te reconhecem e aceitou que um americano sem graça como eu te acompanhasse até um lugar onde você cantou com ele. Você é maluca! E eu... eu realmente gostei disso. Gostei de tudo em você.
Eu não soube o que fazer. Fiquei meio tímida e simplesmente beijei Nick mais uma vez, como se nunca quisesse esquecer o doce dos lábios dele. Foi quando olhei por uma pequena janela ao lado da porta de entrada: um raio de luz vacilante adentrou o lugar e pude notar estava amanhecendo. A chuva tinha cessado e eu tinha um teste naquele dia.
- Nick, tenho que ir. Já está amanhecendo.
- O que? - Ele se virou rápido para a porta, notando o raio de sol - Mas por quê? Eu queria...
- Desculpa, mas eu realmente preciso ir. - passei a mão pelo rosto dele mais uma vez - Me acompanha?
- Claro. - ele respondeu,com um sorriso não muito satisfeito.
Tiramos nossos agasalhos do cabide e deixamos todos para trás. O sol deliciosamente quente bateu em nossa pele, como que lutando com o vento gelado que passava correndo. O dia nascia no final da rua e nós nos limitamos a admirá-lo por alguns segundos.
- Acha que vamos nos ver de novo? - ele perguntou,sem tirar os olhos do sol.
- Quem sabe? - respondi - Quando você estiver com seu rosto estampado em capas de CD.
- E você com o seu estampado nos cartazes das maiores produções da Broadway.
- É, quem sabe...
Ele me beijou, eu o beijei e assim, sem falar palavra, nos separamos. Eu segui para onde o sol nascia; ele, para onde a lua se punha.
- Ah, Londres, como eu te amo! - eu pensava no caminho, com um sorriso nos lábios.
Olhei para trás e vi Nick andar devagar, com as mão no bolso. Mas o que eu não vi é que ele também sorria, por ter acabado de perceber que ele ficara com meu celular.
- É, acho que teremos que nos encontrar de novo. - pensava ele.
Pelo menos, foi o que ele me disse na manhã seguinte.
Fim
Espero que gostem dessa fic, demorei um pouco para faze-la.. hehe comentem o capitulo e que quiser por favor divulgue esse blog.^.^
xoxo
Own eu amei'
ResponderExcluirMuito perfeita a história.
haha' eu ri com o tombo do Nick >< tadinho .
Você tem muito talento amor'
Posta logo.
Beijo ;*
Lindo amoor!
ResponderExcluirhaha' eu ri com o tombo do Nick² sauhsahu
Ameei, posta loogo (:
Você tem muito talento amor'²
ResponderExcluireu ri com o tombo do Nick ³
Ta MUITOOOO Liindoo...
Meniiinaaa Queee Talentoo Heiin...Fikei De Boca Abeeeertaaa
Ta Muitoo Liindoo...Realmentee esse é a melhor fic q eu lii...Espero q não acabeee *--*
Posta Logooo
AAh,amoor,eu amei essa história,sério *-*
ResponderExcluireu ri com o tombo do Nick 4
kkkk' posta loogo (:
Lindoo, seu blog flor
ResponderExcluirPosta logo!!
bjoos!